Conto de minha autoria - O Escotofóbico

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Stiglitz
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Conto de minha autoria - O Escotofóbico

Mensagem por Stiglitz »

Eae galera. Bom, precisei fazer um pequeno conto de terror para um trabalho pra escola e decidi compartilhar como ficou com vocês. Lembrando que é um conto e só vai ficar nessa parte mesmo, não vou criar outras. É postagem única, então, nessa postagem o conto começa e acaba. Embora seja um conto de terror, existe um pouco de drama. Digam-me o que acharam, e se posso mudar algo! Preciso entregar até segunda, então aceitarei sugestões de mudança até lá.
Boa leitura!

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O Escotofóbico

Acordei. Mas não acordei como sempre acordava. Todos os dias, quando meu despertador tocava às seis horas da manhã em ponto, já conseguia ouvir ruídos de pneus e pessoas andando. Mas não naquele dia. Acordei às duas e meia da manhã, sem motivo aparente. Não me sentia cansado, e meu sono passara. Calcei minhas pantufas e espichei a rua da janela do meu quarto, que ficava no segundo andar. A noite era fria, e ventava muito. As ruas estavam cobertas por uma névoa que mal deixava a esquina ser vista. No pequeno pedaço de rua, clareado pelos postes, nenhuma vivalma.

Tentei retornar á minha cama, mas não consegui dormir. Andei até o banheiro e abri a torneira. Fiz uma espécie de recipiente com as mãos e as enchi de água. Enxaguei meu rosto duas vezes e depois me sequei. Olhei-me no espelho e vi que estava sem olheiras, e não aparentava estar cansado, embora um bocejo escapasse da minha boca alguns minutos antes.

Retornei ao meu quarto e sentei na minha velha poltrona que ficava apontada para a janela. Olhei para a rua. Deserta. Tentei distinguir o que me parecia ser um carro na nebulosidade, mas era translúcido demais para poder ter certeza. O barulho não deixava dúvidas, mas já ouvira motos com o mesmo ruído de carros. Depois desse evento, passou mais de vinte minutos sem uma notícia, e o sono não colaborava. Lembrei-me do que teria de fazer no próximo, digo, naquele dia, daqui á poucas horas. Meu trabalho como contador do Santander não me dava um dia de descanso. Contas, contas e mais contas. E meu carro ainda estava quebrado. Teria de tomar um ônibus. Além disso, faltavam ovos na geladeira. Pela manhã, antes de sair, deveria ir ao mercado comprar ovos. Meus pensamentos voavam em assuntos corriqueiros, mas então comecei a ouvir passos leves e fracos, o que apontava tal pessoa estava na rua. De dentro da névoa comecei a ver uma silhueta se formar. Era uma mulher. Tinha bota cano longo e vinha vestida com um casaco que distingui ser roxo quando passou por cima da luz de um poste. Um gorro cobria sua cabeça. Era, simplesmente, alguém. Mas me impressionou quando a mesma olhou para minha janela. Não que havia algo de errado para ela, mas sua certeza foi tão grande que me assustei. Era como ela soubesse que ali estava alguém que a observava. Mas o que mais me intrigava é que ela parou no meio da rua, e por mais de dez segundos não saiu de lá, e em todo esse tempo, continuava a olhar para minha janela. Subitamente, minha visão dilatou, minha audição ficou muda. Era um déjà vu. Lembrei-me de minha mulher. Minha falecida amada.

Já fazia cinco anos que ela se fora. Naquele dia, um estuprador havia invadido minha casa, e feito minha mulher de refém. Fez todas as coisas que queria com ela, e no final executou-a com um martelo. Dediquei minha vida á procura daquele assassino. No final, ele ficou impune e eu fui mandado para uma penitenciária-hospital por ferimentos, os quais alegavam que sofri enquanto lutava contra o nada dentro de minha casa. Mas não. Eu vi a expressão dele. Vi ele destruir a minha vida aos meus olhos.

Mas vieram as lembranças boas. Do dia em que a conheci. Das vezes em que trocávamos olhares no trabalho. Dos dias de festa em que ela nem sequer falava comigo. Mas pouco a pouco fui conquistando-a. Lembro-me do dia em que nos beijamos pela primeira vez. Do dia em que propus me casar com ela. E faltavam apenas dois meses até lá. Mas aquele desgraçado tinha de aparecer para desgraças nossas vidas.
Retomei minha sanidade e vi que aquela mulher não se encontrava mais lá. Levantei e olhei para os dois lados da rua, sem encontrar nada. Comecei a ouvir o barulho de pingos estralando no chão. Fui ao banheiro ver se não era a torneira ou o chuveiro. Não era. Saí do quarto e estranhei. Olhei escada abaixo. Nada. Fui á cozinha, banheiros de hóspedes. Nenhuma torneira ligada. Voltei ao quarto e quando entrei, descobri uma goteira ao lado de minha cama, invisível no escuro. Apenas notei a goteira quando liguei a luz para verificar o som. Pela manhã subiria ao sótão e descobriria a causa. Até lá, tratei de arrumar um balde para coletar a água que escapava.

Ouvi, então, um copo caindo em minha cozinha. Levantei-me da cama e fui checar o acontecido. Liguei a luz e encontrei tal copo caído, despedaçado, no chão da cozinha. Meu gato estava estático em cima da pia, olhando para o copo. Não notou minha presença. Continuava a olhar o copo despedaçado sem parar. Passei a mão em seus pelos e ele chiou, como se estivesse numa briga. Viu que era eu e começou a miar. Desceu da pia e pediu comida, batendo em seu prato. Abasteci sua ração e tratei de limpar os cacos de vidro do chão e jogá-los na lixeira da cozinha.

Tomei um gole d’água e decidi voltar ao meu quarto. Ouvi um barulho vindo de trás da cozinha na área de serviço e estranhei. Virei para ver e vi aquela mulher. Parada, no canto da parede, olhando para mim com um dos olhos. Estavam mais abertos que o normal. Nessa hora, gelei. Não conseguia me mover. “É tudo uma alucinação, e foi meu gato que quebrou o copo. É tudo uma alucinação”, pensei. Fechei os olhos e contei até três. Fui interrompido na passagem do dois para o três, quando o telefone tocou. Fui obrigado á abrir os olhos e constei que ela não se encontrava mais ali. Atendi ao telefone, que ficava na parede da cozinha e ponderei um “Alô?”, mas como resposta, obtive o som de ocupado, “TU, TU, TU”. Aquele som tinha me deixado alerta. Talvez aquele tom grave tenha aumentado a atividade do meu córtex pré-frontal. Retornei o telefone ao gancho e quando apaguei a luz da cozinha para retornar ao meu quarto e me virei, vi uma pessoa subindo as escadas, lentamente. Meu coração se apertou. A respiração ficou ofegante. A cabeça latejava. Comecei a sentir náuseas. Fiquei paralisado, tentando raciocinar o que acabara de ver. Milhares de informações passavam por meus neurônios. Imagens de pessoas, filmes que vira sobre fantasmas, documentários, tudo. Não consegui distinguir se era real ou se era um sonho lúcido. Mas não. Não era um sonho. Conclui que era uma crise da minha Escotofobia. Fui verificar melhor o corpo que vi subindo as escadas, e quando cheguei perto da mesma, ainda pude vê-lo entrando em meu quarto. Não, não era uma crise.

Peguei a chave do carro, o celular e a chave da porta no centro da sala. Abri rapidamente sem me importar se aquela criatura ou pessoa, seja lá o que for, me ouvia. Tranquei e guardei no bolso. Corri em direção ao carro e sai andando pelas ruas.

Já que não voltaria para casa antes do amanhecer, decidi rodar por Nova York. Aquela mulher que ficara parada defronte á minha janela, e ainda me olhado nos olhos enquanto eu não podia ser visto, passara para a direita da minha rua. Decidi seguir tal caminho, para quem sabe, achá-la. Segui a avenida por mais de vinte minutos, mas não encontrei a garota. Por sinal, não encontrei nada mesmo. Nem qualquer outra pessoa, um cachorro vira-lata ou um gato vadio. Nem sequer um urubu ou corvo. Seres vivos, apenas a grama que recobria as soleiras das casas. Nenhum indício de que ela teria passado por ali. Nem pegadas na terra fina que cobria o asfalto.

Continuei andando com o carro, mas decidi ir ao centro. Era muito movimentado, então provavelmente, haveria pessoas. Passei por alguns sinais de trânsito, que estavam no amarelo. Ele piscava. Não era típico dos faróis comuns. Mesmo á noite, os faróis de minha cidade continuavam como vermelho e verde. Mas não naquele dia. Aquele dia, eles eram amarelos piscante. Talvez por causa da neblina?
Passei rapidamente por um deles. Consequentemente, não vi a pessoa que passava na faixa de pedestres. BOOOOM! Esse foi o barulho que o corpo dela fez no meu para-brisa. O carro foi parar numa árvore do outro lado da rua. Minha visão começou a ficar escura, e apaguei.

Depois de alguns minutos, acordei com as mãos na perna e a cabeça no meio do volante. Um filete de sangue escorria de minha testa. Olhei o velocímetro. Marcava 90 km/h. Não esperava que estivesse tão rápido naquela hora. Talvez a neblina tirasse meu senso de noção visual de velocidade, já que eu literalmente não via nada. Talvez. Mas droga. Atropelei uma pessoa e estava pensando porque meu velocímetro marcava aquilo? Tentei ligar para o 190, mas o sinal estava fora de área e ocupado. Achei um pequeno microfone de radiocomunicador no porta luvas. Pluguei ao rádio de meu carro e liguei-o. Passei todas as estações AM para ver se caía numa estação de polícia ou qualquer coisa assim. Encontrei uma rádio. Mas estranha. Sua frequência era 4625 KHz. Emitia um som parecido com um “bip”, que se repetia a cada segundo. Fiquei ouvindo tal estação por mais de 2 minutos. Não ouvi mais nada que bips. Mas que estava fazendo? Precisava salvá-la. Desliguei a rádio e planejei de como procederia até o hospital. Teria de levá-la nos braços, até algum carro passar por nós. Sem perder tempo, dei um chute na porta, porque a maçaneta não funcionava. A porta caiu e pude sair do carro. Impressionei-me quando vi que a neblina tinha sumido, e podia ver tudo a minha frente. Voltei ao carro e peguei uma lanterna que sempre deixava, também, no porta luvas. Mas lembrei que tinha um pequeno refletor d não no porta malas. Sai do carro, abri, e liguei-o. Estava perfeito. A rua, embora sem neblina, estava escura e sombria. Meu carro tinha acertado um poste, deixando metade da mesma sem luz.

Acendi o refletor e apontei primeiramente para o carro. Ele tinha se convertido num quadrado de ferro retorcido. Agradeci á Deus por ter me salvado daquele acidente horrível. Procurei pela pessoa que tinha atropelado com o refletor, mas não encontrei nada. Iluminei a faixa de pedestres e não vi nenhum indício de sangue ou qualquer pedaço de roupa. Todo o gramado que eu me encontrava não estava manchado de sangue, a não ser do meu próprio, por eu ter cortado o braço com uma barra de ferro assim que saí do carro.
A cidade estava completamente deserta. Mesmo com o acidente e o barulho do carro batendo num poste e depois numa parede, aparentemente não alertou ninguém. Nenhum carro civil, de polícia ou ambulância. Nenhum curioso.

Comecei a andar pela rua para pedir ajuda. Rumei em direção ao centro, o lugar mais movimentado de minha cidade. Quem sabe encontrasse ao menos um mendigo que poderia conversar. Mas não. Nada. Nem um sibilo de motor de carro. Um pássaro noturno. Um cão uivando. Nada.
Estava numa rua perpendicular á uma avenida, que era movimentada. Mas como sempre, ninguém. Comecei, de repente, a ouvir uma cantoria, que vinha do sentido esquerdo para o direito. E cada vez ia ficando mais alto, e mais alto. Até que uma pessoa apareceu. Minha alma se alegrou, mas não por muito tempo. Tentei gritar para tal pessoa, mas ela não me ouvia, ou minha voz não saía. Não fazia ideia de qual era o caso. Era um homem de, no máximo, 25 anos, cabelo encaracolado, andando numa bicicleta sem as mãos e com um violão nas costas, preso pela correia. Cantarolava uma canção nacional de destaque, que já ouvira, mas não fazia ideia de qual era. Ele passou por mim se notar nada. Continuou seu caminho. Atravessei a rua e fiquei na calçada da avenida, vendo seu caminho.

Da rua direita paralela a que eu tinha vindo, surgiu alguns sons estranhos e horripilantes. Uma mistura de latido de cão com sons de leões. O ciclista se apavorou ao olhar para o lado e ver algo, que ao meu ângulo de visão ainda era invisível. Ele acelerou a bicicleta e parou de cantarolar a música. Daquela rua, então, sai duas criaturas mórbidas e horrendas. Era uma dupla. Tinha o aspecto de um cão sem pelos e com a pele lisa e acinzentada, embora alguns pelos negros recobrissem as costas da aberração. Sua mandíbula era maior que a de um cão, e não tinha pele em volta, deixando todos os dentes á mostra. Tinham uma espécie de focinho um pouco pontudo, com duas narinas. Andavam de quatro “patas”, isso quando não estavam parados, aí ficavam em pé de duas patas, como um humano normal faria. Tinham três dedos nas quatro patas, com unhas afiadas e pontudas. Um deles estava recoberto de sangue.

O ciclista não era mais rápido que as criaturas. Nem mais de vinte metros depois de passar por mim, uma das criaturas cravou suas unhas nas costas do ciclista, que caiu da bicicleta. A criatura subiu em cima dele e arranhou sua face de tal modo, que o deformou. A outra veio para completar o serviço. Comecei, então, a ouvir o barulho de ossos sendo retorcidos e quebrados, de carne sendo moída entre os dentes dos demônios. Escondi-me atrás de um prédio na mesma esquina em que me encontrava. Não queria ver tal cena.
Decidi sair dali e tentar voltar para casa. Mas minha casa estava com outros demônios. Que faria então? Não sei, mas sairia dali o mais rápido possível. Virei-me, então, para ir embora. Tive uma má surpresa quando vi uma daquelas criaturas olhando diretamente para mim. Percebi que as mesmas tinham olhos cinzas, como se fossem cegas. De início, travei. Mas depois, corri para o sentido oposto que ela estava, já que a rua continuava. As outras duas me notaram, e logo eram três perseguidores contra mim.
Continuei correndo por alguns segundos, até que tropecei numa pedra e caí. Era meu fim, com certeza. Aquelas criaturas não me deixariam ir, e não pareciam estar cansadas de correr. Pude vê-las formando um círculo em volta de mim, e quando uma delas pulou para cravar suas unhas em meu rosto, fechei os olhos desejando que tudo aquilo fosse um sonho.

Era, mas não era. Fiquei esperando a dor, a morte. Ela não veio. Fui abrindo os olhos de mansinho e vi que nada mais se encontrava á minha frente. Chequei minha face e minhas roupas; nenhum indício de sangue. Era um sonho por ter feito aquilo desaparecer. Mas não era um sonho por eu ainda estar no meio de uma rua deserta, que, quem sabe, poderia ter demônios e criaturas estranhas.

Recuperei-me mentalmente depois de alguns minutos raciocinando. Tentei bater minha cabeça contra uma parede, para se certificar de que não era um sonho lúcido. Não era. Um coágulo surgiu em minha testa. Procurei me acalmar e peguei o refletor, que caiu, mas não se quebrou. Continuei andando.

Passei por um, dois, três faróis sem nenhuma novidade. Consultei o relógio de meu celular e vi que eram três e vinte da madrugada. Ainda haverá muito tempo antes de a noite cair e o sol raiar. Andando por mais alguns minutos, me deparo com um choro. Mas não um comum. Um choro triste, de alma, de profunda solidão. Alguém muito triste chorava. Era outro homem. Procurei sua silhueta com meu refletor pelo cruzamento que me encontrava, e fui encontrá-lo sentado numa esquina, ao lado de uma lata de lixo. Estava com os braços cruzados e cabeça entre as pernas, que estavam encolhidas. Seu choro era alto, profundo, impactante. Não pude ficar feliz com tal cena. Apontei o refletor para sua face, mas parece que não se importou. Gritei: “Você está bem?”, mas não obtive resposta. Eu é que não ficaria tentando acalmar um homem chorando, três horas da manhã numa esquina enquanto aberrações estavam à solta.

Um som de touro emanou pela mesma rua em que tal pessoa se encontrava. Apontei o refletor para tal rua, e de longe vi uma criatura tão horrenda que não pude deixá-lo ligado. Era uma pessoa. Tinha seu crânio e cérebro cortados ao meio. Sua mandíbula era deformada e seus dentes recobriam toda a face. Não possuía olhos, pois não haveria espaço para tê-los, tamanho era o número de dentes naquela criatura grotesca. Não usava nenhum tipo de roupa. Sua pele era flácida e deformada. Vinha levando uma faca de açougueiro recoberta de sangue, com uma ponta curva na extremidade cortante. Seu som era totalmente macabro. Era o de um touro, como se estivesse correndo numa manada. E realmente, o bicho estava correndo. Abaixei e fiquei parado num canto, esperando que ele não tivesse me visto, apesar de isso ser quase impossível. A luz dos postes só iluminava segmentos por segmentos da rua, então ele desaparecia, e aparecia novamente. Até chegar a tal pessoa. Pegou-a pelo pescoço com uma das mãos. Ela gritou: “Me liberte deste tormento!”. Fiquei alucinado com tal fala. Não era para pedir a misericórdia da criatura, e salvar sua vida? Mas não, ela preferiu escolher. Liguei o refletor no exato momento em que ele era decapitado. Desliguei o refletor por alguns momentos, para não ver tal cena, e não ouvi mais nenhum ruído. Nem mesmo o do humano-touro, se é que se pode chamá-lo de humano. Liguei de novo e para minha surpresa, nada mais estava lá.

Á essa altura, eu já estaria louco. Mas sempre me dizem para manter a calma, e que eu era muito estressado. Eu ainda mantinha a hipótese de um sonho lúcido, embora de o “galo” em minha cabeça estar bem feio.

Continuei minha caminhada em meio aquela Nova York assombrada. Acendia o refletor algumas vezes, por medo. Sim. Alguns corvos piavam e o vento ainda era precoce. O lixo invadia as ruas, dando um tom de abandono. Ouvia vozes e sons das criaturas que já tinha encontrado antes. Tudo aquilo vinha na minha cabeça. Mesmo assim, algo me dizia que tinha de continuar. Minha pequena jornada assombrada ainda não estava no fim.

Entrei por uma avenida grande, paralela e do lado da avenida principal da cidade. Como sempre, semáforos amarelos e piscantes. Estava andando normalmente quando encontrei um pequeno boneco. Julguei ser de um menino, pois não era uma boneca. Parecia um Max Steel ou qualquer outro parecido. Tomei-o em mãos e com o refletor ligado, comecei a iluminá-lo e examiná-lo. Não parecia estar quebrado, e estava em um estado de conservação ótimo. De outra rua, paralela á que eu estava, ouvi uma criança, que pela voz não parecia ter mais de 10 anos, dizendo: “Mamãe, cadê meu boneco?”. A mãe ficou em silêncio por um instante e depois disse: “Acho que você deixou ele cair. Depois eu te compro outro”. A criança começou a chorar e disse: “Não mamãe, vamos voltar e vamos achar!”. A mãe respondeu: “Não amorzinho, já está tarde, vamos embora.” “Por favor, mamãe, por favor!”. A conversa continuou em negações e súplicas até que eles decidiram procurar o boneco. Estava com ele em mãos, e decidi encontrá-los para devolver. Gritei, mas como de costume minha voz não saía. Passei três ruas para poder encontrá-los. Acenei para a mulher, mas ou ela fingia, ou ela não tinha me visto. Fui me aproximando da mãe e do filho, até que a criança gritou: “Mamãe, olhe lá!”. Liguei o refletor para auxilia-los e vi a criatura mais horrenda, pior do que as outras duas. Era uma mulher de no máximo vinte anos. Olhos negros. Totalmente negros. Pupila e a parte esbranquiçada. Tinha pele mais cinza do que a do “cão”, e vinha numa roupa de hospital. O pior. Andava de “quatro patas” e seu pescoço era quebrado. Estava virado 180°, como uma coruja. Não emitia sons, mas abria a boca de uma maneira que era fácil perceber que a sua mandíbula também estava quebrada. Corria numa velocidade extrema para uma pessoa. A mãe, vendo aquilo, ficou paralisada. Quando retomou a sanidade, mandou seu filho correr. Para ela, era tarde demais. A criatura já estava por cima dela, literalmente drenando sua carne e sangue. Liguei o refletor, mas não consegui assistir a cena por muito tempo. A criança vinha em minha direção. Tentei pegá-la pelo colo, mas estranhamente ela passou diretamente por mim, desviando. A criatura era mais rápida. Estava acostumado, por isso, nem sequer olhei a cena. Mas assim que ouvi o pulo do bicho, do boneco saiu um grito ensurdecedor: “AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!”. Foi tão forte que fui jogado ao chão, enquanto o boneco se desintegrava no ar.

Depois de alguns minutos, o som estridente ainda atordoava meus ouvidos. Parou por completo depois de 7 minutos de um zumbido. Pensei que iria perder a audição. Continuei a caminhada, já perdendo a esperança de que encontraria alguém que me escutasse. Cogitava a ideia de voltar para casa. Ninguém me via, nem ouvia. Nem sequer as aberrações. Que mais um vulto faria?

Chequei a hora no celular e faltavam cinco minutos para a nova hora. Até às quatro e dez da madrugada, nada de novo aconteceu. Por cansaço, deixei o refletor num banco de um ponto de ônibus. Andei mais um pouco e ouvi um salto alto. Não foi difícil achar a mulher que estava com ele nos pés. Ela estava na rua perpendicular acima e direita á que eu estava.

Era uma mulher bonita. Pela primeira vez, parecia livre de aberrações. Loira, alta, vestia botas marrom, casaco de pele e jeans preto. Carregava uma bolsa e parecia despercebida. Tentei chamá-la, mas ela não me via, assim como as outras pessoas. Segui ela por mais de duas ruas, querendo saber onde pararia. Avistei um beco de onde emanava uma luz amarelada, e algumas faíscas. Certamente, eram mendigos se esquentando com o frio. Aparentemente, ela passava despercebida. Mas então foi puxada para dentro do beco, e não pude ouvir mais nada. Na sombra da luz amarelada, era projetada uma sombra de homem em cima dela. Sacou uma faca e ouvi apenas um golpe, antes das sombras desaparecem.

Cansado daquilo, entrei no beco. Não vi ninguém, e nem um mendigo estava dormindo ali. O chão não estava recoberto de sangue. Mas vi uma coisa que me alegrou: uma garrafa de vodka!

Caminhei em direção á uma praça e sentei-me na grama. A praça era pequena e circular, fazendo uma rotatória entre quatro ruas. Apenas uma árvore, a qual sentei recostado em seu tronco. Abri a garrafa e degustei aquele líquido feito em terras geladas do norte da Europa oriental. Fiquei ali pensando em tudo que tinha visto, refletindo sobre os acontecimentos. Não só daquela noite. Mas de toda minha vida. O trabalho, o dinheiro, o sucesso na carreira. Porque nunca conseguia uma promoção no emprego? Queria ser chefe, sim. Eu tinha competência para tal.

Depois de mais de meia hora matutando, vi uma cena que me intrigou. Da árvore em que estava, um pássaro, pequeno, parecia um filhote, saiu do ninho e começou a voar. Já era estranho, por estar de noite, horário que pássaros normalmente dormem. Ele voou estavelmente, sem cair ou se desequilibrar. Foi indo por onde achava que deveria ir. Mas não viu um fio de alta tensão. Bateu no mesmo, e caiu. Não morreu, pois não tocara o chão no momento da colisão com o fio, logo, a corrente passou sem danificar. Mas no chão havia uma poça d’água. O passarinho se molhou por completo. Voou para seu ninho e tentou de novo. Encostou novamente no fio de alta tensão, mas dessa vez, foi eletrocutado. Seu corpo caiu no asfalto e um corvo, repousado num poste, veio comer seu corpo.

Como eu podia ser tão egoísta, depois de ver tais cenas? Aquela morte do passarinho me deixou abalado. Chorei por alguns minutos. Chorei alto, para que me ouvissem. Botei todo meu sentimento para fora.
Depois daquela horrível madrugada, queria apenas voltar para casa. Voltei andando e me localizando com o GPS. Nova York era uma cidade muito grande. Depois de mais de cinco anos vivendo lá, ainda não memorizei todas as ruas e nomes das ruas.

Alguns minutos mais caminhando e chorando, pensando em tudo que fizera de ruim na vida, cheguei em casa. O relógio do celular marcava cinco horas da manhã.

Peguei a chave no bolso e rodei a maçaneta lentamente. Logo quando entrei, vi, na parede que dividia a escada da cozinha, escrito em sangue: “Suba e acabe com isso”. Gelei. Vi um pedaço de papel no chão. Parecia um envelope. Peguei e abri. Havia uma carta dentro, também escrita á sangue. Mas a letra era fina e detalhada, impossível de não ser uma caneta. Mas o cheiro era inconfundível. Comecei a ler:

“Nova York, 07 de setembro de 2013

Nota para Nikolai, de sua amada esposa.

Tudo que você viu essa noite não era fantasioso. Tudo isso era real. Aquelas criaturas, e aquelas pessoas que morreram eram reais. E você, a princípio, ficou assustado, pensando que iria ter o mesmo fim delas, se ao menos se importar com tais. Não era uma crise de sua escotofobia, que você alegava ser a causa de tudo enquanto estávamos juntos. Pense nisso, Nik. Mas na verdade, não era. Toda essa alucinação e esse sentimento, é você mesmo. Você sempre dizia que o trabalho te apunhalava pelas costas, e que sentia vontade de morrer de tristeza. Alegava que sentia saudade de sua infância e seus amores de adolescente. Sentia-se frustrado por ter daltonismo e não conseguir ser piloto de caça, que era seu maior sonho. Não vê que tudo isso é você? Você, depois que descobriu sua primeira doença, começou a se apegar muito ao trabalho. Não percebeu que ficou mais que doente? Você desenvolveu uma paranoia. Você vê coisas que não existem, cria fatos que não aconteceram. Acha que minto? Olhe para frente. Você conseguirá me ver, sorrindo, e depois, eu desaparecerei. – Tirei os olhos da carta e olhei para frente. Vi minha mulher. Estava com tanta saudade, que não pude conter um abraço. Parei quando ela não era sólida e desapareceu. Caí no chão. Nesse momento, comecei a chorar novamente. – Vê o quão egoísta você é? Sempre queria o melhor de tudo, nunca queria sofrer. A vida não é sempre um mar de rosas. Ou você pensa que aquela goteira é o que? Simplesmente meu corpo, putrefato, que você guarda lá desde o dia que me matou. Não, não foi um assassino. Foi você. A única coisa que restou foi meu globo ocular esquerdo, que continuamente chora todos os dias. Mas sua alma é pura. Ainda existe salvação. O culpado de tudo não é você, mas o que tem dentro de você. Refiro-me á seu cérebro. Ele é o culpado dessa desgraça, não sua alma, a maior parte de você. Suba a escada e acabe com esse demônio. Só assim poderá viver uma vida melhor e recomeçar do zero. Quem sabe nós nos encontremos de novo na escadaria para o paraíso.”


As lágrimas explodiam de meu rosto. Joguei a carta no chão e subi as escadas. Abri a porta de meu quarto e vi a minha figura física sentada na poltrona, agora recostada numa parede. Olhei para meu corpo, assustado. Não vi nada. Eu era transparente. Só depois de algum tempo que percebi, que eu, era na verdade minha alma, que se salvaria daquele tormento. Do lado do meu “eu” de carne e osso, estava um jornal caído no chão. Li a notícia: “Contador é encontrado ao lado de sua esposa com um martelo na mão. Alegava que um assassino havia invadido sua casa e matado a mulher de 34 anos. Foram encontradas digitais dele no martelo, o que prova que ele sofria de problemas mentais. Tal contador também era conhecido por ter tentado entrar na força aérea do país por mais de quatro vezes.”

Pra mim era o fim. Não queria mais viver daquele jeito. Abri uma gaveta e tirei a antiga pistola do meu falecido pai. Sentei no mesmo lugar que meu “eu” de carne e osso estava. Dizem que dois corpos não ocupam o mesmo lugar ao mesmo tempo. Mas eu não era feito de matéria. Eu me livraria daquele tormento. Coloquei a arma acima da orelha esquerda. Atirei.

PHGAMER
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Re: Conto de minha autoria - O Escotofóbico

Mensagem por PHGAMER »

Voce escreve muito bem cara,meus parabens.A unica sugestao que te dou é mudar o nome da cidade vc pois nova york mas em outros trechos(como no banco santander e no 190 da policia)vc deu a entender que ele estava no Brasil ;)

Stiglitz
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Re: Conto de minha autoria - O Escotofóbico

Mensagem por Stiglitz »

PHGAMER escreveu:Voce escreve muito bem cara,meus parabens.A unica sugestao que te dou é mudar o nome da cidade vc pois nova york mas em outros trechos(como no banco santander e no 190 da policia)vc deu a entender que ele estava no Brasil ;)
Valeu, não tinha pensado nisso! Vou mudar para 911 é que o de lá.

PHGAMER
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Re: Conto de minha autoria - O Escotofóbico

Mensagem por PHGAMER »

Blazkowicz escreveu:
PHGAMER escreveu:Voce escreve muito bem cara,meus parabens.A unica sugestao que te dou é mudar o nome da cidade vc pois nova york mas em outros trechos(como no banco santander e no 190 da policia)vc deu a entender que ele estava no Brasil ;)
Valeu, não tinha pensado nisso! Vou mudar para 911 é que o de lá.
legal cara fico feliz por ter sido util :)

379Felipe
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Re: Conto de minha autoria - O Escotofóbico

Mensagem por 379Felipe »

Cara, ficou bem legal esse conto. Mas só não entendi uma coisa:
Ou você pensa que aquela goteira é o que? Simplesmente meu corpo, putrefato,
O corpo dela não havia sido encontrado ao lado dele com um martelo na mão?

Stiglitz
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Re: Conto de minha autoria - O Escotofóbico

Mensagem por Stiglitz »

379Felipe escreveu:Cara, ficou bem legal esse conto. Mas só não entendi uma coisa:
Ou você pensa que aquela goteira é o que? Simplesmente meu corpo, putrefato,
O corpo dela não havia sido encontrado ao lado dele com um martelo na mão?
Sim.
Mas essa parte cabe a você descrever o que ele fez para colocar ela lá. Eu deixei algumas partes sem resposta, sim, de propósito, porque alguns contos famosos também fazem isso e meu professor meio que queria também.
Para mim, foi assim que ele fez:
Como ele era paranoico, ele enfatizou que um assassino tinha entrado lá e matado ela, ai dps ele foi internado num hospital psiquiátrico e saiu depois de 1 ou 2 semanas, porque tinha "retomado" a consciência. Ele vai para casa e lá tem outra paranoia, lembra dela e vai no cemitério, desenterra e de alguma maneira leva para casa, e guarda lá. Esquece de tudo quando retoma a consciência. Eu disse que ele era meio esquizofrênico, não com essas palavras, mas é subentendido. Isso é uma das possibilidades, mas existem inúmeras outras. Fale como você acha que o corpo dela foi parar no sótão ;D

379Felipe
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Re: Conto de minha autoria - O Escotofóbico

Mensagem por 379Felipe »

Hm, tendi, acho mesmo é que possa ser isso que tu disse, mas sobre essa paranoia, acho que ele poderia ter uma daquelas condições mentais de dupla personalidade.

Stiglitz
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Re: Conto de minha autoria - O Escotofóbico

Mensagem por Stiglitz »

379Felipe escreveu:Hm, tendi, acho mesmo é que possa ser isso que tu disse, mas sobre essa paranoia, acho que ele poderia ter uma daquelas condições mentais de dupla personalidade.
Sim, e mais com a escotofobia (doença do medo do escuro), ai que ele tá perdido mesmo :)

LoucurasdoPortal
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Re: Conto de minha autoria - O Escotofóbico

Mensagem por LoucurasdoPortal »

Cara... Você tem uma vocação para ser escritor impressionante. Tente investir nisso, pois sei que irá alcançar altíssimos patamares! ;)

Stiglitz
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Re: Conto de minha autoria - O Escotofóbico

Mensagem por Stiglitz »

LoucurasdoPortal escreveu:Cara... Você tem uma vocação para ser escritor impressionante. Tente investir nisso, pois sei que irá alcançar altíssimos patamares! ;)
Só fui ver seu comentário agora Loucuras, por pura curiosidade navegando pelo fórum...
Obrigado, mas nem vale a pena .-.
Sim, pode parecer ****** e *********, mas poucos escritores famosos até hoje se conseguiram sustentar só com a grana de livros publicados... pelo menos brasileiros... que eu saiba nem Carlos Drummond e alguns escritores famosos do modernismo conseguiram tal proeza, mas esses como Paulo Coelho que não tem metade do conteúdo desses grandes, infelizmente consegue.
Quem sabe eu tente publicar algo daqui á alguns anos

Batata_do_mal

Re: Conto de minha autoria - O Escotofóbico

Mensagem por Batata_do_mal »

Na 6° linha do 11° parágrafo, radio comunicador estão juntos. Na 14° linha do mesmo parágrafo, está: "Mas lembrei que tinha um pequeno refletor d não no porta malas." Não entendi! Não seria "Mas lembrei que tinha um pequeno refletor no porta malas."?
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Historia legal cara, muito legal mesmo, assim como o LDP falou, você deveria mesmo ser um escritor, tem vocação pra isso, se quiser ser um, tem todo o meu apoio, parabéns! E tomara que esse seu professor passe mais trabalhos.

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